Compliance e responsabilidade do administrador

Por Marina Coelho Araújo e André Camargo para o Valor Econômico

Cada vez mais se exigem da iniciativa privada obrigações de controle e fiscalização de atos ilícitos, seja no âmbito civil, seja no criminal. Administradores de sociedades, para além das suas tradicionais atribuições de bem gerir o negócio visando à obtenção de resultados positivos, são hoje igualmente responsáveis por propagar um ambiente inerte no que se refere a condutas criminosas ou mesmo ilícitas administrativamente.

Nota-se que as responsabilidades dos administradores já se encontravam presentes, em especial nos artigos 153 a 160 da Lei das S.As, abrangendo os clássicos deveres de diligência, obediência e lealdade. No entanto, a preocupação com tais deveres era historicamente mais destinada ao conflito (até hoje existente) entre sócios controladores e não controladores, com alguma, mas não tão desenvolvida, preocupação com os stakeholders externos da organização. A função de administrador sempre foi vista, na seara societária, como passível de muita responsabilização, independentemente do porte da sociedade. Suas condutas, comissivas ou omissivas, são cada vez mais objeto de escrutínio, agravadas pela crescente complexidade do mundo empresarial e de seus impactos na sociedade.

Na esfera criminal, os rumos da imputação por omissão prevista no artigo 13 do Código Penal brasileiro acenam para uma interpretação extensiva da responsabilidade dos administradores, a considerar relevante também a suposta omissão de fiscalização e a instituição de procedimentos importantes para se evitar atingimento do resultado. Uma vez que os procedimentos preventivos não sejam realizados, o administrador ficaria envolvido em responsabilidade criminal por aquilo que estaria obrigado a evitar.

É fundamental que se defina a extensão da responsabilidade daqueles que podem, de fato, impactar a economia

Atualmente, diversas denúncias criminais são ofertadas pelo Ministério Público descrevendo condutas omissivas e apontando para a intenção em se omitir e fechar os olhos deliberadamente para os atos ilícitos em curso nas companhias. Nesta lógica – aliás expansiva no que se refere à responsabilidade criminal – já não basta não realizar atos de corrupção, é preciso que o administrador tenha implementado em sua gestão todos os controles possíveis para que um ato de corrupção não ocorra sob seus “olhos vendados”. Assim, a denominada “teoria da cegueira deliberada” assume relevante papel na interpretação dos dispositivos legais e na imputação de crimes. Além disso, a análise do elemento subjetivo da conduta – dolo ou culpa – é também influenciado pela expansão da responsabilidade dos administradores, e, muitas condutas que eram descritas meramente como negligentes, passam, hoje, a ser classificadas como intencionais e, portanto, dolosas.

No outro lado desta moeda, os programas de compliance invadem os diversos setores da economia brasileira como uma promessa para a contraprova da omissão e do fechar intencional dos olhos administrativos para condutas ilícitas. Será que é isso mesmo? Em outras palavras, os programas de integridade, conforme previstos na Lei da Empresa Limpa no Brasil e no Decreto Lei nº 8.420/2015, funcionarão como defesa das companhias e de seus administradores em caso de ocorrência de um ato ilícito sob seus olhos – seja por omissão própria ou de terceiros?

Não cabe mais nessa resposta simplesmente afirmar que a responsabilidade criminal está pautada em responsabilidade pessoal e subjetiva no país, e que esta amplitude de responsabilidade não se coaduna com a nossa legislação. Também não satisfaz reafirmar a importância do nexo entre a conduta/omissão do autor e o resultado alcançado. A esses dois elementos soma-se a exigência da análise da relevância da omissão realizada, ou seja, em que medida o administrador estava obrigado a agir em determinado caso para evitar o ato que foi praticado.

Preponderante, pois, para a resposta a tais questionamentos é o reconhecimento de que a responsabilidade criminal só pode ser imputada a quem poderia agir para evitar aquele resultado, e, ainda, que o administrador fez tudo que estava a seu alcance para evitar atos ilícitos sob sua gestão. E fazer tudo ao alcance pode significar trabalhar “top to down” na implantação de programas de compliance efetivos.

A análise, pois, do grau de efetividade dos programas de integridade implantados poderá levar ao amadurecimento do formato brasileiro de responsabilidade dos administradores, adequado às exigências legais e culturais do país. Evidente que custará tempo e energia da comunidade empresarial, mas o resultado deverá ser recompensado na diminuição da contingência penal na redução dos casos de responsabilidade dos administradores. Em tempos instáveis como os de hoje, é fundamental que se defina a extensão da responsabilidade daqueles que podem, de fato, impactar a economia como um todo, para, enfim, termos um ambiente empresarial mais maduro, estável, ético e confiável. Administradores e todos nós agradecemos.

Marina Coelho Araújo e André Camargo são advogados em São Paulo e professores do Insper Direito.