Empates e divergências no julgamento da Ação Penal nº 470

No início deste mês houve o primeiro empate no julgamento da Ação Penal nº 470, seguido de outros cinco nas semanas seguintes. Após a saída do ministro Cezar Peluso, que votou somente sobre uma parte da denúncia, o julgamento passou a contar com dez ministros. Ao analisarem a acusação contra o réu José Borba, ex-deputado federal, todos os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votaram pela condenação por prática de corrupção passiva. Todavia, especificamente quanto à lavagem de dinheiro também imputada ao acusado, cinco ministros votaram pela condenação, ao passo que os cinco demais votaram pela absolvição do ex-deputado. Os ministros preferiram discutir como será resolvido o empate após o fim do julgamento desse trecho da denúncia, pois já se preveem diferentes possibilidades de solução. Aliás, na sessão de julgamento na qual houve o primeiro empate, o ministro Ricardo Lewandowski e o ministro Marco Aurélio Mello expressaram opiniões diversas sobre o tema.

O regimento do Supremo, em caso de empate em um julgamento, traz três possibilidades. A primeira é a de que, nos casos de habeas corpus ou recursos de habeas corpus, deve-se adotar a decisão mais favorável ao réu. Esse não é exatamente o caso do processo em questão, mas há quem defenda ser a regra aplicável, porque, no caso de recurso contra a condenação em ação penal na qual houver divergência de pelo menos quatro votos, essa regra da decisão mais favorável também se aplica, nos termos do regimento do tribunal. Além disso, seria uma decorrência do princípio segundo o qual quando houver dúvida em um julgamento penal, deve-se adotar a decisão mais benéfica ao acusado. Se essa regra prevalecer, haveria absolvição quanto ao crime de lavagem de dinheiro imputado a José Rodrigues Borba, Paulo Rocha, João Magno e Anderson Adauto e quanto ao crime de formação de quadrilha imputado aos réus Valdemar Costa Neto e Jacinto Lamas.

A segunda possibilidade prevista no regimento interno do Supremo é a de o presidente do tribunal poder proferir o voto de qualidade, também conhecido como voto de Minerva. A norma prevê ser essa a regra aplicável nos casos em que não houver outra previsão específica no próprio regimento. Nesse caso, considerando que o presidente da Corte, ministro Ayres Britto, votou pela condenação, seu voto prevaleceria.

Uma terceira possibilidade é a do voto de um novo ministro, quando necessário para o desempate. Para isso, o regimento dispõe que, se o novo ministro não assistiu à leitura do relatório ou aos debates, o relatório e as sustentações orais teriam que ser repetidas. Além disso, o ministro teria que se considerar esclarecido sobre a matéria. Portanto, para que essa hipótese se verificasse, o ministro Teori Zavascki, indicado pela presidente Dilma Rousseff ao Supremo, teria que assumir o cargo, se dar por esclarecido e serem repetidas a leitura do relatório e as sustentações, ao menos sobre essa questão do julgamento.

Mas não é somente o empate no julgamento que poderá gerar novas discussões. Também algumas decisões tomadas por maioria poderão ser contestadas. O regimento do tribunal prevê que caberá recurso se uma condenação penal for proferida com, pelo menos, quatro votos divergentes. Portanto, em todos os pontos nos quais houver quatro ou mais votos contrários à condenação, caberá recurso ao próprio Supremo.

Também já se anteveem divergências sobre a fixação da pena para cada condenado e a necessidade de se estabelecer qual pena prevalecerá. Caberá aos ministros, portanto, decidir não apenas sobre o mérito da Ação Penal nº 470, mas também firmar a interpretação e detalhamento de diversas regras sobre o funcionamento do tribunal e de seus julgamentos, a reforçar a enorme relevância do momento vivido pelo Supremo.

Artigo publicado originalmente no Valor Econômico.