É necessário existir Justiça Militar no Brasil?

Dois acontecimentos recentes, no Judiciário brasileiro, podem levar muitos cidadãos a indagarem se há sentido em existir uma Justiça Militar no Brasil. O primeiro é a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que fixou a competência da Corte para processar e julgar os crimes ocorridos nos ataque às sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro, independentemente de os investigados serem civis ou militares. O segundo é o avanço do julgamento sobre a regra que definiu a competência da Justiça Militar para julgar delitos cometidos no exercício das atribuições subsidiárias das Forças Armadas. Mas, afinal, é necessário o país ter uma Justiça Militar? O SBT News buscou a análise de especialistas da área do direito.

No Brasil, a Justiça Militar é dividida em da União (JMU) e dos Estados. A primeira é responsável por julgar os crimes militares cometidos por integrantes das Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica) ou por civis que atentem contra a Administração Militar federal. Já a segunda, os crimes militares cometidos pelos integrantes das PMs. Os delitos estão definidos no Código Penal Militar (Decreto-Lei 1.001/1969).

A doutora em direito penal e professora da área na Universidade de São Paulo (USP) Helena da Costa, avalia que, em princípio, é necessário existir Justiça Militar no Brasil. “São muitos os países do mundo que tem essa Justiça, e é uma Justiça especializada, ela vai julgar os crimes militares, então tem uma série de questões relacionadas principalmente aos princípios de hierarquia militar que são relevantes e que são bastante diferentes dos crimes comuns”.

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2021, a JMU recebeu 1.128 casos novos e havia 1.774 no acervo processual – isto é, em tramitação. Na estadual, foram 3.465 e havia 4.007 no acervo. Esses são os dados mais recentes dos quais o CNJ dispõe. A instituição não possui números de condenações/absolvições pela Justiça Militar. A reportagem solicitou os dados também ao órgão máximo desta, o Superior Tribunal Militar (STM), mas não foram enviados até sua publicação.

Competência

Moraes fixou a competência da Corte para processar e julgar os crimes ocorridos nos ataque aos Três Poderes, independentemente de os investigados serem civis ou militares, em 27 de fevereiro. Conforme o magistrado, inexiste “competência da Justiça Militar da União para processar e julgar militares das Forças Armadas ou dos Estados pela prática dos crimes ocorridos em 8/1/2023”.

O tenente-brigadeiro Francisco Joseli Parente Camelo, que assume em 16 de março a presidência do Superior Tribunal Militar (STM), afirmou que Moraes foi “feliz”, e a decisão, “muito bem fundamentada”.

De acordo com a professora Helena da Costa, “a classificação dos crimes militares sempre foi uma sessão jurídica bastante discutida. Nós tivemos, por exemplo, uma discussão longa, sobre quem seria competente para julgar os crimes de homicídio praticados por policial militar contra civil. E aí se estabeleceu que é a Justiça Comum”. Dessa forma, a decisão de Moraes, afirma, “por mais que ela esteja relacionada a esses fatos do dia 8 de janeiro, que são fatos excepcionais, ela não é uma discussão jurídica nova, excepcional”. 

“É uma coisa que reiteradamente a gente vê acontecer no direito, porque surgem muitas dúvidas. Agora, se a decisão dele está correta ou não, tecnicamente, a gente tem vários critérios para analisar se um crime deve ser considerado militar ou não, então quem pratica o crime, onde esse crime é praticado, contra quem nesse crime é praticado”.

Em sua visão, no caso do ataque do 8 de janeiro, embora o crime seja praticado por militar, a vítima não é, e o local do delito não é uma repartição do âmbito militar, então a decisão de Moraes está “harmônica com várias decisões que já vinham sendo tomadas pela nossa jurisprudência”.

O plenário do Supremo ainda vai analisar a decisão monocrática de Moraes, assim como concluir o julgamento sobre a regra que definiu a competência da Justiça Militar para julgar delitos cometidos no exercício das atribuições subsidiárias das Forças Armadas. Neste caso, está em análise a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5032, protocolada em 2013 pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Na ADI, a PGR diz que a redação do artigo 15 da Lei Complementar (LC) 97/1999 ampliou de forma exagerada a competência da Justiça Militar para delitos que não estão relacionados de forma direta às funções tipicamente militares, como a atuação das Forças Armadas em operações para garantia da lei e da ordem (GLO). Dessa forma, pede que seja declarada a inconstitucionalidade de parte do artigo.

O relator da ADI é o ministro aposentado Marco Aurélio Mello. Em abril de 2018, ele votou pela improcedência da ação. Segndo Marco Aurélio, explica o STF, “ao estabelecer como atividades militares as desenvolvidas nas GLOs, na defesa civil, no patrulhamento de áreas de fronteira e quando requisitadas pelo TSE, a lei se mantém nos parâmetros fixados pela Constituição”.

Os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Dias Toffoli acompanharam o relator. Edson Fachin julgou procedente a ADI, e Ricardo Lewandowski, parcialmente procedente. Lewandowski leu o voto na Corte, na 4ª feira (8.mar). Conforme o magistrado, diz o STF, “a norma viola o princípio constitucional da isonomia e cria uma espécie de foro por prerrogativa de função”. Após ler o voto, o julgamento foi suspenso, devido à ausência, no plenário físico, dos ministros Dias Toffoli e Roberto Barroso. Segundo a Corte, a presidente do Supremo, ministra Rosa Weber, “explicou que, como o julgamento estava pautado em sessão virtual e foi deslocado para o plenário físico, é necessário aguardar a presença de todos ministros que já haviam lançado voto, para que possam confirmar ou alterar suas manifestações”.

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