Imagine a seguinte situação: um executivo de uma prestadora de serviços especializada em câmbio e ativos negociáveis divulga informação privilegiada e sigilosa a um conhecido sobre uma operação que ocorrerá nos próximos dias. Isso possibilita ao seu amigo se posicionar no mercado com base em um dado que não está disponível aos investidores em geral, e ele lucra com isso.
A prática é conhecida tradicionalmente no mercado financeiro como insider trading, um crime passível de punição, incluindo multas e restrição de liberdade em alguns países. Quando o caso trata de criptoativos, no entanto, o assunto ainda é bastante incipiente.
Nos Estados Unidos, o primeiro caso criminal de insider trading de ativos digitais deve ser concluído neste ano. Em fevereiro, Ishan Wahio, ex-diretor de produtos da Coinbase Global INC – uma exchange, como são conhecidas as empresas que prestam serviços de custódia de criptoativos –, confessou ter fornecido informação, a terceiros, não divulgada ao público, de que uma nova moeda virtual passaria a ser negociada na plataforma da empresa. Está prevista para maio uma audiência que poderá determinar qual será a sua punição.
No Brasil, o delito de insider trading encontra sua tipificação na Lei 6.385/76 (art. 27-D). Para configuração do crime, no entanto, a divulgação indevida deve estar atrelada a “valores mobiliários”. Considerando que a lei não equipara as criptomoedas a valores mobiliários, a conduta não poderia ser enquadrada no crime de insider trading de acordo com a legislação atual. A partir de junho de 2023, no entanto, entrará em vigor a nova Lei 14.478/22, que regulamenta as prestadoras de serviço de ativos virtuais. De acordo com a nova legislação, as exchanges passam a se equiparar a instituições financeiras, permitindo que seus controladores e administradores sejam responsabilizados por eventuais crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei 7.492/86).
Diante dessa mudança normativa, surgem novas possibilidades de criminalização dos responsáveis por empresas de comercialização e custódia de criptoativos, incluindo as divulgação indevida de informações sigilosas (art. 18, da Lei 7.492/86). O assunto, pelo visto, ainda deve render muitas discussões no Brasil.