Os critérios de fixação de punições e a Ação Penal nº 470

A fixação do tempo de pena a ser aplicado a cada condenado deve ser feita, nos termos de nosso Código Penal, seguindo regras que buscam, de um lado, conferir ao juiz certa margem para adequação dos limites legais às especificidades de cada caso concreto e, de outro, permitir a todos – e especialmente ao condenado – a compreensão dos critérios usados para a aplicação da pena e sua justificativa. Essas regras estabelecem, assim, três fases: na primeira, o juiz fixa a denominada pena-base, na segunda, estabelece as atenuantes e agravantes e, por fim, as causas de aumento e diminuição.

A pena-base deve ser estabelecida a partir da análise da culpabilidade, dos antecedentes, da conduta social, da personalidade do agente, dos motivos, circunstâncias e consequências do crime, assim como do comportamento da vítima. O juiz não pode estabelecer pena aquém, tampouco além dos limites legais para pena mínima e pena máxima nesta fase, e deve justificar a quantidade de pena estabelecida, sobretudo se acima do limite mínimo, esclarecendo quais critérios foram usados e por quais razões. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) sempre ressaltou a importância e a necessidade da fundamentação da decisão nesta fase. É importante, também, lembrar que não se podem considerar características gerais da modalidade de crime, presentes na sua própria descrição legal, para o aumento de pena; devem-se buscar os traços específicos do crime concretamente praticado. Assim, o juiz não pode aumentar a pena porque o crime de corrupção gera dano à moralidade pública – todo crime de corrupção o faz; mas pode aumentá-la se, naquele caso específico, as consequências do crime foram extremamente gravosas para a administração, por exemplo.

A segunda fase refere-se à consideração das circunstâncias atenuantes e agravantes, consistentes em diversas hipóteses previstas no Código Penal. A reincidência, o motivo torpe e a direção da atividade dos demais agentes do crime são exemplos de agravantes, ao passo que ser menor de 21 anos ou maior de 70 ou confessar a prática do crime são atenuantes. Considerando esses dados, o juiz pode, então, aumentar ou diminuir a pena-base fixada na fase anterior, mas deve respeitar os limites trazidos pela norma penal quanto ao mínimo (apesar de haver discussões sobre esse ponto) e máximo da pena.

Na última fase, o juiz considera, então, as causas de aumento e diminuição, que se encontram também previstas na legislação, embora dispersas ao longo do código e das leis penais. Nesta fase, é possível estabelecer pena além do máximo ou aquém do mínimo previsto no tipo penal.

No caso da Ação Penal nº 470, é possível que o Supremo discuta, dentre outras, a aplicação das regras relativas ao controverso instituto da delação premiada, segundo o qual aquele que colaborar efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo, delatando seus comparsas, pode receber diminuição de um terço a dois terços da pena ou, até, perdão judicial.

Outro ponto extremamente importante na fixação da pena – conforme já se percebeu da discussão iniciada pelos ministros – consiste na aplicação das normas sobre crime continuado ou continuidade delitiva. O crime continuado configura-se quando o agente pratica dois ou mais crimes da mesma espécie, com características semelhantes quanto ao tempo, lugar e maneira de execução. Tem como consequência a aplicação da pena de só um dos crimes (se diferentes, toma-se a mais grave como parâmetro), aumentada de um sexto a dois terços, a depender do número de crimes praticados.

Como se vê, ainda que o sistema de fixação de penas traga diversos critérios, organizados em distintas fases, é o julgador quem acaba por interpretar os critérios à luz do caso concreto, o que é muito salutar. Entretanto, para que a decisão seja compreensível e justificável, é imprescindível que seja dotada de suficiente fundamentação, por meio da qual o juiz explica seu raciocínio e sua aplicação dos termos legais. É esse exercício que o Supremo vem enfrentando nas últimas sessões de julgamento.

Artigo publicado originalmente no Valor Econômico.