Juros rotativos e Direito Penal Financeiro

Por Daniel Gerstler e Giovanna Savai

O recente embate que tem sido travado no legislativo sobre o teto dos juros rotativos de cartão de crédito permite reflexões em torno de discussão já antiga sobre o alcance do tipo de gestão temerária de instituição financeira (art. 4º, parágrafo único, da Lei 7.492/86).

Desde a edição do Enunciado n. 8 do Conselho Nacional da Justiça Federal, consolidou-se jurisprudencialmente um passo importante a fixar padrões normativos para a projeção do Direito Penal em atividade econômica inerentemente perigosa a bens jurídicos como o Mercado Financeiro. Estabeleceu-se que o tipo penal apenas se configura com a “violação das regras e parâmetros objetivos de gerenciamento de riscos e limites operacionais …  instituídos pelas autoridades de regulação do sistema financeiro nacional”. Isso dá mais segurança jurídica e transparência ao comando proibitivo.

Acontece que o gerenciamento de riscos financeiros (e seus limites operacionais) abarca circunstâncias muito díspares, como o risco de crédito, de mercado e variação de juros, operacional, de liquidez, socioambiental, e aqueles ligados ao fenômeno da autorregulação (conforme art. 6º da Resolução n. 4557/17 do BACEN), o que obriga a regulação desse setor adotar finalidades igualmente heterogêneas, como: o controle de posições de mercado (concorrencial), administração do risco sistêmico, proteção consumerista, e prevenção de lavagem de dinheiro – sem contar o uso do instrumento regulatório para implementação de políticas públicas. 

Considerando que juros rotativos de cartão de crédito são a remuneração por empréstimos realizados para pagar parcela da fatura, a crítica que a FEBRABAN tem feito ao PL n. 2685/22 chama atenção. Afirma-se haver a implementação de um limite artificial que tornará insustentável a oferta desse tipo de crédito no mercado. Aqui percebe-se que a finalidade regulatória consumerista entra em choque direto com uma finalidade sistêmica. Ambos são relevantes ao gerenciamento de riscos de uma instituição financeira, então como o judiciário tratará um banco múltiplo que realiza esse tipo de empréstimo violando normas administrativas como referido projeto de lei?

Intuitivamente não parece ser hipótese de gestão temerária, mas esse cenário demonstra que o Enunciado 8 ainda não é capaz de identificar quais tipos de normas e riscos devem ser contemplados pelo alcance do tipo. Os limites que separam o risco útil do que é temerário (ou inaceitável) ainda precisam estar submetidos a um escrutínio mais racional, sob pena de se transformar esse delito em crime de mera desobediência administrativa.