Os tortuosos caminhos do crime de obstrução de justiça no Brasil

O crime de obstrução de justiça foi introduzido na legislação brasileira em 2013, por meio da Lei n. 12.850. Assim, embora já tenha dez anos de vigência, continua gerando questões importantes em sua aplicação.

Apesar de o nome obstrução de justiça ter prevalecido nas discussões sobre o tema, a conduta incriminada é a de impedir ou, de qualquer forma, embaraçar a investigação de infração penal que envolva organização criminosa. Portanto, o crime refere-se a obstruir investigação, fase anterior à ação penal (judicial).

Formulado de maneira muito aberta, a figura vem sendo alvo de críticas doutrinárias desde sua criação em virtude de sua amplitude e da pouca definição dos comportamentos que podem ser abrangidos pelo tipo penal. Diante do princípio da taxatividade, que exige dos tipos penais a descrição exata da conduta proibida, seria essencial que seus aplicadores realizassem interpretação restritiva, buscando ao menos remediar as falhas legislativas.

Entretanto, não é isso que se tem visto na prática. O STJ, por exemplo, já entendeu que a figura é aplicável também a casos de obstrução de ação penal (e não de investigação), em mais de um julgado – embora deva-se mencionar que o STF tem julgado em sentido contrário. Há, também, precedente judicial admitindo sua aplicação à obstrução de trabalhos de Comissão Parlamentar de Inquérito.

Ainda mais problemática tem sido a aplicação da figura em colisão com o direito de não produzir prova contra si mesmo ou com a garantia da ampla defesa.

É importante lembrar que esses direitos e garantias vêm sendo consolidados por meio de interpretações que lhes conferem concretude. Apenas a título de exemplo, é decorrência do direito de não produzir prova contra si a possibilidade de o investigado não fornecer padrões de assinatura para realização de perícia grafotécnica.

Contudo, em muitos casos de aplicação do crime de obstrução isso não tem sido observado, podendo-se citar processo em que uma pessoa foi condenada porque não forneceu a senha de acesso a um celular apreendido.

Até mesmo a defesa técnica tem sido colocada em xeque, sobretudo porque o trabalho do defensor criminal consiste, em sua essência, em contrapor-se à hipótese investigativa, em discordar, em buscar demonstrar a ilegalidade de dado procedimento etc. E, em tantos casos, essas atuações podem ser entendidas como entraves à investigação.

A defesa criminal não pode trabalhar acuada, com medo de adotar essa ou aquela medida que poderia demonstrar a inocência de seu cliente. Defesa amedrontada não concretiza o contraditório, tão essencial para a busca de um resultado com maior potencial de justiça.

E, também aqui, um exemplo concreto demonstra o potencial danoso dessa figura: já houve advogado denunciado e preso temporariamente porque teria aconselhado seu cliente a não celebrar acordo de colaboração premiada. Desnecessário afirmar que o acordo de colaboração não é obrigação do investigado ou acusado, sendo verdadeiro dever do advogado informar e aconselhar seu cliente sobre o tema.

É fundamental refletirmos se o crime de obstrução da justiça tem, efetivamente, contribuído para a tutela da administração da justiça ou se, na realidade, vem desnaturando garantias e direitos dos investigados e acusados, o que acaba por esvaziar as possibilidades dialéticas do processo e, ao final, corroer a própria estrutura da justiça.