A Receita Federal emitiu a Portaria n. 394/24, que amplia as hipóteses em que auditores fiscais devem comunicar às autoridades repressoras sobre atividades supostamente criminosas dos contribuintes. Apesar da pouca atenção dada à Portaria, as mudanças gerarão um impacto sensível em futuras apurações criminais de delitos de sonegação fiscal e a ele conexos.
Há de se lembrar que, historicamente, a Receita Federal, ao realizar suas fiscalizações, limitava-se a comunicar eventuais indícios de crimes contra a ordem tributária, por meio da representação fiscal para fins penais.
No entanto, a partir da nova Portaria n. 394/24, o auditor fiscal deverá efetuar também a comunicação sobre fatos que, em tese, configuram crimes de falsidade, lavagem de capitais, bem como delitos contra a Administração Pública Federal. As alterações promovidas trazem uma série de questões que merecem reflexão. Focaremos, por ora, apenas em uma delas.
Afinal, qual é força probatória que essas novas comunicações terão na investigação criminal?
Quem milita cotidianamente com casos de delitos contra a ordem tributária, certamente conhece o peso que possuem as informações trazidas pela Receita para embasar acusações e condenações criminais. Na prática, as representações fiscais acabam constituindo uma prova quase inquestionável da materialidade delitiva de delito contra a ordem tributária.
É verdade que essa dinâmica desvirtua por completo a existência necessária da separação das esferas tributária e criminal. Crimes de sonegação não deveriam ser confundidos com ilícitos tributários. Porém, na prática, essa separação é muitas vezes ignorada.
Com a entrada em vigor da nova Portaria, há o receio de que as informações fornecidas pela Receita sobre indícios dos demais crimes (lavagem, corrupção, etc…) também aportem nas investigações como uma “superprova”, supostamente elaborada por um órgão imparcial.
Em verdade, essas informações devem constituir, no máximo, simples informações preliminares fornecidas por um ente parcial, interessado na arrecadação dos contribuintes. No entanto, a teoria dificilmente será aplicada na prática.
Por isso, é imprescindível que os contribuintes entendam que, ao levar suas informações e argumentos para na instância fiscal, tais elementos poderão ser utilizados em seu desfavor na esfera penal. Mais ainda: aludidas informações encaminhadas pela Receita Federal receberão – ainda que equivocadamente – uma força probatória significativa, tornando a situação do investigado potencialmente mais grave.