Após a fixação da pena de José Genoino pelo Supremo Tribunal Federal, com a fixação do regime semiaberto, surgiu discussão na imprensa sobre a provável ausência de vaga para o cumprimento da pena em colônia agrícola ou industrial, chamando-se a atenção para a crônica superlotação e falta de vagas no sistema prisional brasileiro.
Nos termos estabelecidos pelo nosso Código Penal e pela Lei de Execução, existem três regimes de cumprimento da pena de prisão: o fechado, o semiaberto e o aberto. Cada um deles demanda um determinado tipo de estabelecimento prisional para o seu cumprimento. O regime fechado deve ser cumprido em unidades prisionais ou penitenciárias; o semiaberto, em colônia agrícola ou industrial; e o aberto, em casa do albergado. Pode haver unidades distintas em um mesmo complexo penitenciário, mas é fundamental que se diferenciem as unidades para que se possam concretizar não apenas os distintos regimes de cumprimento, mas, especialmente, para que se possa operar a progressão ou a regressão de regime de acordo com as regras legais e o comportamento do preso. Paralelamente a tais unidades, deve haver unidades específicas destinadas àqueles que estão presos provisoriamente, sem terem sido definitivamente julgados.
Entretanto, a estrutura para adequado cumprimento da lei nunca foi suficientemente implementada. Existe um enorme déficit de vagas em quase todos os estabelecimentos. Há inúmeras unidades que abrigam presos provisórios e sentenciados, indistintamente. Nos estabelecimentos prisionais e nas penitenciárias, a superlotação é crônica e as novas vagas não dão conta dos que ingressam no sistema. As condições prisionais brasileiras, aliás, já foram objeto de análises diversas por organismos internacionais, que concluíram pela existência de incontáveis violações, dentre elas a prática de tortura e maus tratos.
Por sua vez, as colônias agrícolas ou industriais, necessárias para o cumprimento do regime semiaberto, são raras e, assim como ocorre com o regime fechado, não têm vagas suficientes. Com isso, muitos presos que adquirem o direito à progressão continuam no regime fechado, assim como grande parte dos condenados ao cumprimento de pena em regime semiaberto acabam por cumprir prisão domiciliar, com a consequente não aplicação da lei.
No que se refere às casas do albergado, a situação é ainda mais grave. Diversos estados jamais chegaram a construir casas do albergado – muito embora sua previsão legal tenha decorrido de experiências bem sucedidas, que apontavam para uma melhor reinserção dos apenados à sociedade após o cumprimento de suas penas. Diante da ausência de vagas em tais unidades, da mesma forma como ocorre em relação ao regime semiaberto, muitos sentenciados que adquirem o direito à progressão continuam em regime mais gravoso e, além disso, aqueles que deveriam cumprir pena em regime aberto acabam por cumprir prisão domiciliar.
Ademais, muitas pessoas estão presas em delegacias, sobrecarregando a polícia, que acaba por ter de realocar recursos e pessoal destinados à investigação e prevenção de crimes para assumir essa função.
A ausência de condições concretas para o adequado cumprimento da lei gera, de um lado, inefetividade de muitas penas aplicadas e descrença no sistema penal. De outro, nivela sentenciados com bom e mau comportamento, com ou sem faltas prisionais, que tenham trabalhado ou estudado ou que não tenham se dedicado a essas atividades – afinal, todos acabam permanecendo no regime fechado, pois quem adquire o direito à progressão acaba, de fato, não progredindo.
É preciso criar condições concretas para o cumprimento da lei. De nada adiantará criar vagas isoladas para este ou aquele réu, se não pensarmos em todo o sistema. Sem mudanças, a prisão continuará sendo apenas uma resposta brutal à prática de um crime e, após seu cumprimento, somente conseguirá devolver à liberdade pessoas brutalizadas.
Artigo publicado originalmente no Valor Econômico.